Perspectivas de trabalho intermitente após a reforma trabalhista
Publicado em 01/04/2019
A contratação de empregado para prestação de trabalho intermitente passou a ser prevista no Brasil com a Lei 13.467 de 2017, conhecida como reforma trabalhista.
Antes disso a Consolidação das Leis do Trabalho já fazia uma introvertida referência ao trabalho intermitente, admitindo-o no caso dos trabalhadores no serviço ferroviário como disposto no artigo 236 da CLT. Já o artigo 237 da CLT dividia os trabalhadores em determinadas categorias, sendo o pessoal de serviço de natureza intermitente previsto na alínea “d” do referido dispositivo legal, abaixo transcrito:
Art. 237 - O pessoal a que se refere o artigo antecedente fica dividido nas seguintes categorias:
a) funcionários de alta administração, chefes e ajudantes de departamentos e seções, engenheiros residentes, chefes de depósitos, inspetores e demais empregados que exercem funções administrativas ou fiscalizadoras;
b) pessoal que trabalhe em lugares ou trechos determinados e cujas tarefas requeiram atenção constante; pessoal de escritório, turmas de conservação e construção da via permanente, oficinas e estações principais, inclusive os respectivos telegrafistas; pessoal de tração, lastro e revistadores;
c) das equipagens de trens em geral;
d) pessoal cujo serviço é de natureza intermitente ou de pouca intensidade, embora com permanência prolongada nos locais de trabalho; vigias e pessoal das estações do interior, inclusive os respectivos telegrafistas.
Por seu turno, o artigo 243[1] excetua a aplicabilidade dos preceitos gerais acerca da duração do trabalho aos empregados de estações do interior que o serviço seja de natureza intermitente ou de pouca intensidade, sendo-lhes assegurado, no entanto, repouso contínuo de dez horas, no mínimo, entre dois períodos de trabalho, bem como descanso semanal.
Em apertada síntese, essa era a única hipótese de contratação para trabalho intermitente prevista na legislação trabalhista pátria antes da reforma trabalhista.
Com a entrada em vigor da Lei 13.467/2017, o instituto do trabalho intermitente foi desenvolvido e, a princípio, pode ser aplicado indistintamente a todos os contratos de trabalho ou, como disposto no parágrafo 3º do artigo 443 da CLT, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas que são regulados por legislação própria, e desde que preenchidos determinados requisitos, obviamente.
O primeiro desses requisitos é extraído do próprio conceito legal de trabalho intermitente que, segundo o artigo 443, parágrafo 3º da CLT, se trata do “(...) contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses (...)”.
Desse modo, para ser considerado como intermitente, o trabalho deve se dar com subordinação e descontinuidade, havendo alternância de períodos trabalhados e de períodos não trabalhados. Aloysio Correa da Veiga ressalta que:
“(...) o trabalho intermitente é uma forma de regulamentar a prestação de serviço, como contrato de trabalho subordinado, descontínuo, que se caracteriza pela alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade exercida pelo empregado e o fim social perseguido pelo empregador”[2].
Contornando aos requisitos determinados em lei, temos que o contrato de trabalho intermitente deve, obrigatoriamente, ser celebrado por escrito e especificar o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exercem a mesma função (artigo 452-A da CLT/2017). Além disso, a convocação por parte do empregador deve ser feita informando a jornada a ser cumprida, com pelo menos três dias corridos de antecedência, e o trabalhador terá um dia para dizer se aceita.
Importa dizer que essa convocação feita pelo empregador pode ser realizada por qualquer meio de comunicação eficaz, como se observa do parágrafo 1º do artigo 452-A da CLT, o que traz à mente a pergunta se pode ser feito por aplicativos de mensagens e outros meios de comunicação bastante comuns dos dias de hoje, em que o mundo digital tomou conta da sociedade.
A resposta deve ser positiva, visto que as mensagens trocadas via WhatsApp e outros aplicativos são aceitas inclusive como meio de prova em processo judicial. Entretanto, é indicado que esse comunicado seja feito de forma escrita, mediante envio de carta com aviso de recebimento ao endereço do empregado convocado, ou então via e-mail, o que dá maior segurança jurídica às partes caso haja questionamento em uma eventual ação judicial.
O empregado terá direito a férias proporcionais mais 1/3, 13º salário proporcional, descanso semanal remunerado e adicionais legais, devendo todas essas verbas serem pagas ao final de cada período de prestação de serviço, e o respectivo recibo de pagamento deve discriminar de forma específica os valores pagos relativos a cada uma das parcelas citadas (artigo 452-A, parágrafos 6º e 7º, da CLT).
Em relação às contribuições previdenciárias e ao FGTS, o empregador tem a obrigação de efetuar o recolhimento de tais parcelas, cuja base de cálculo será formada pelos valores pagos no período mensal, devendo ainda fornecer ao empregado o comprovante de cumprimento dessas obrigações, como estipula o parágrafo 8º do artigo 452-A da CLT.
Quanto às contribuições previdenciárias, insta salientar que o Fisco já decidiu que o cálculo dessas parcelas nos contratos de trabalho intermitente deve incluir os valores das férias e do terço constitucional, conforme divulgado pela Receita Federal por meio da Solução de Consulta Cosit 17, publicada no Diário Oficial da União em 21/1/2019[3].
A exceção fica para aqueles casos em que as verbas das férias tenham natureza indenizatória, quais sejam: na hipótese de incidência de multa pela sua não concessão tempestiva ou quando forem pagas de maneira proporcional ao período aquisitivo, esta última na ocorrência de rescisão do contrato de trabalho sem justa causa.
Destaque importante tem o artigo 611-A, inciso VIII, da CLT, que determina que a convenção coletiva de trabalho e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando tratarem sobre trabalho intermitente. Assim sendo, é orientado aos empregadores que verifiquem se na convenção ou no acordo coletivo de trabalho da categoria há alguma cláusula dispondo sobre trabalho intermitente, pois, se houver, essa será de observância obrigatória.
Segundo a Valor Econômico[4], efeitos positivos da previsão e regulamentação do trabalho intermitente são perceptíveis no mercado de trabalho brasileiro visto que, após três anos seguidos de demissões, o ano de 2018 se encerrou com um saldo positivo no que se refere a geração de empregos, que em boa parte se trata de contratos de trabalho intermitente, conforme divulgado pelo Segundo o editorial, com base nos dados divulgados pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o trabalho intermitente registrou um saldo de mais de 50 mil postos de trabalho criados em 2018.
Contudo, tendo em vista a superação da crise econômica que assola o país desde 2015, ainda pairam dúvidas acerca da aplicabilidade do contrato de trabalho intermitente e, especialmente, do entendimento a ser seguido no âmbito da Justiça do Trabalho sobre a legalidade e aplicabilidade desse ajuste contratual.
Decisão proferida em dezembro de 2018 pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, nos autos do Processo 0010454-06.2018.5.03.0097, anulou o contrato de trabalho intermitente firmado entre as partes em questão com a seguinte fundamentação:
“(...) Diante de tal redação, entende-se o contrato de trabalho intermitente como sendo uma contratação excepcional, em atividade empresarial descontínua. Assim sendo, essa modalidade de contrato, por ser atípica e peculiar, assegura aos trabalhadores patamares mínimos de trabalho e remuneração, devendo então ser utilizada somente para situações específicas. In casu, analisando o contrato de trabalho de Id. d140d84, verificou-se que o reclamante foi contratado pela reclamada Magazine Luiza em 21/11/2017 para o cargo de assistente de loja, em atividades típicas, permanentes e contínuas da empresa, quais sejam, recepcionar o cliente na loja, conferir produtos e fazer pacotes, efetuar procedimentos de entrega de produtos adquiridos pelo site, contar, conferir e zelar pelo estoque de produtos da loja, entre outras. (...)”
Verifica-se, portanto, que o TRT de Minas Gerais decidiu por anular o contrato de trabalho intermitente por entender que as atividades desenvolvidas pelo trabalhador eram “típicas, permanentes e contínuas da empresa”, o que, em tese, acaba por dar uma interpretação divergente daquilo que dispõe a própria lei, posto que o parágrafo 3º do artigo 443 da CLT é claro ao estabelecer que a prestação de serviços é que não pode ser contínua, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador.
Em outras palavras, para o trabalho ser reconhecido como intermitente não deve ser perquirido se a atividade da empresa em si é contínua, como destacado no voto do relator copiado alhures — recepcionar o cliente na loja, conferir produtos e fazer pacotes, efetuar procedimentos de entrega de produtos adquiridos pelo site, contar, conferir e zelar pelo estoque de produtos da loja —, mas, sim, saber se a prestação desses serviços pelo trabalhador se deu de forma contínua ou não. Assim sendo, se imperar a descontinuidade na prestação dos serviços, tem-se que o contrato de trabalho intermitente é perfeitamente válido e regular. Referido caso teve repercussão no meio jurídico porque envolve a rede varejista Magazine Luiza, além de que, ao que tudo indica, aparenta ter sido um dos, senão o primeiro julgamento no país no âmbito da segunda instância que se decidiu pela anulação de um contrato de trabalho intermitente.
Apesar disso, a decisão citada não é vinculante, ou seja, vale apenas para as partes do processo em questão. Porém, vale dizer que há pelo menos quatro ações perante o Supremo Tribunal Federal em que se questiona a (in)constitucionalidade do trabalho intermitente (ADIs 5.806, 5.826, 5.829 e 5.950), tendo ambas como relator o ministro Luiz Edson Fachin.
Diante disso, conclui-se que o fenômeno do trabalho intermitente ainda é instituto novo em nosso ordenamento jurídico e que vai amadurecer paulatinamente, na medida em que tais contratos forem sendo questionados perante a Justiça do Trabalho, e isso se a corte suprema não decidir antes pela inconstitucionalidade do trabalho intermitente quando do julgamento das ações declaratórias de inconstitucionalidade acima referidas.
Assim, e enquanto isso não ocorre, sugere-se que o empregador consulte sempre um profissional especializado no ramo antes de implementar a contratação de um empregado mediante trabalho intermitente. Afinal de contas, o responsável pela assessoria jurídica poderá analisar previamente a contratação em questão, apontando para as formalidades legais a serem observadas e, com isso, os riscos de anulação de um contrato de trabalho intermitente pelo Poder Judiciário serão bastante reduzidos.
[1] BRASIL. DECRETO-LEI Nº 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho, Brasília-DF, maio 1943. Disponível em: . Acesso em: 13 fev. 2019.
[2] TUPINAMBÁ, Carolina; GOMES, Fábio Rodrigues (Coord.). A reforma trabalhista: o impacto nas relações de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 36.
[3] http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=98145
[4] https://www.valor.com.br/brasil/6080791/apos-tres-anos-de-demissoes-brasil-fecha-2018-com-geracao-de-emprego